Da mãe, do filho e de sua relação
Era uma pessoa de natureza brutal, de índole duvidosa, custoso era acreditar na bondade daquele coração; tinha um temperamento agressivo, violento, não sabia ouvir, seu único diálogo era a truculência; de discernimento curto, dificilmente enxergava as próprias ações ou percebia as coisas à sua volta, a única coisa que lhe importava era ele mesmo; não refletia, não se autocensurava ou se corrigia.
Era juiz severo, implacável para com os outros, mas com os seus próprios erros era sempre compreensivo e indulgente, acreditava até não cometer erros, tudo o que ele realizava era sempre perfeito, ao contrário das outras pessoas que, em sua opinião, realizam as coisas sem perícia e com muito mau gosto.
Através de suas opiniões e ideias obtusas e desarrazoadas tirava conclusões equivocadas de coisas e de pessoas como se acertadas fossem, muito justas e irrefutáveis; era despótico, possessivo e egoísta ao extremo muito além do humanamente aceitável; adorava deixar as pessoas esperando por ele, mas detestava quando o faziam esperar; condenava severamente os vícios e a corrupção quando percebidos nas outras pessoas, porém, desconhecia ou fingia desconhecer seus vícios e corrupções; imaturo, pouco ou nada aprendia com as experiências por que passava; por ter sido mimado mais do que convinha ao bom senso e a uma boa convivência com os demais, parecia desejar que o mundo fosse feito para ele somente, que as pessoas deveriam existir apenas para servi-lo e facilitar sua vida, em sua cabeça com mania de grandeza, imaginava que o mundo deveria girar ao seu redor.
Tinha um senso de comunidade, colaboração e fraternidade muito falho, deficiente; indolente e pouco ativo, não gostava de ser incomodado a participar, fazia quando lhe fosse conveniente, não quando a necessidade urgente das coisas chamava; porém, se realizava alguma tarefa, por mínima que fosse, não a julgava como sua obrigação mas um grande favor de sua parte, além do que, queria reconhecimento, se possível até aclamação por sua colaboração; se fizesse algo, era característica sua tirar depois proveito, exigindo favores importunos que custavam mais do que o próprio favor que ele julgava ter prestado.
Com o passar do tempo ele ficava cada vez mais embrutecido, arraigados aos seus disparates e preconceitos triunfantes, sequer pensava em procurar melhorar como pessoa; voluntarioso como era, não suportava ser contrariado, exigia encontrar tudo pronto sem nenhum obstáculo que embaraçasse seus desejos, seus caprichos e vontades, a sua comodidade, o seu conforto estavam sempre em primeiro lugar.
Como mal controlava sua ira, a propósito, muitas vezes descabida e infundada, seus rompantes de agressividade estúpidos beiravam à selvageria, sua valentia tinha como alvo único e preferido seres, pessoas que ele sabia fisicamente inferiores, que ofereceriam pouca ou nenhuma resistência, era a sua garantia de continuar em sua zona de conforto covarde.
Seu senso de justiça era deturpado, aliás, como tudo em sua natureza, julgava as coisas de maneira que fosse conveniente a suas ações com o intuito de justificar seus absurdos, seus malfeitos, suas arbitrariedades; tudo para ele era motivo de discussão, de intrigas, com tudo criava caso, levantava falso contra os outros por implicância, pelo mero prazer de disseminar a discórdia; para ele ninguém prestava, enxergava apenas o pior nas pessoas; a felicidade, a paz alheias o incomodavam; sempre encontrava uma maneira de promover certo mal-estar geral; praticava com generosidade e sem hesitar os verbos machucar, ferir, odiar, julgar; em contrapartida, sentia vergonha e reservas, sendo mesquinho ao praticar verbos como amar, perdoar, ajudar, desculpar; difícil era encontrar nele uma alma sinceramente amiga, desprovida de qualquer interesse menos digno da amizade; possuindo irmãos e amigos, não sabia ser amigo e irmão de ninguém, apenas dele mesmo, não compreendia o significado real dessas palavras; se fosse passível de remorso, de arrependimento, não eram sinceros; se pedisse perdão era apenas com o intuito de calar sua consciência egoísta e interesseira, sua culpa era artificial; ele não refletia, não se culpava nem se desculpava, impossível seria vê-lo admitir uma culpa, um erro e responder por suas consequências.
Era tão sovina, tão cego pela avareza em tudo, inclusive em relação ao dinheiro, que oferecia sempre o pior de si mesmo, acreditando ser desprendido, generoso, cheio de caridade, exigindo em troca desmedida bondade.
Havia algo de ruim, de pernicioso em sua natureza que contagiava; dificilmente em sua convivência se prosperava; sua presença era genuinamente nociva, tinha hábitos e manias doentios; apesar de sua tirania, se julgava justo, honesto, correto e inatacável; enumerava, apontando com prazer, as faltas, os defeitos das outras pessoas, encobrindo e dissimulando suas falhas, talvez até julgasse não possuir defeitos; sabia ser agradável, solícito, e paciente apenas com as pessoas com as quais não possuía um convívio diário, com o objetivo de granjear a simpatia e o favor de todos.
Apenas ele tinha razão, era dono absoluto da verdade, pensava ter capacidade para dizer verdades aos outros, mas não tinha maturidade para saber ouvir verdades; apenas o que ele fazia era bem feito, bem realizado, desmerecia, diminuindo, o feito das outras pessoas; se comprazia em oprimir, em humilhar; era intolerante, limitado, inflexível, não respeitava aquilo que era diferente, aquilo que ele não conseguia compreender; respeitava, considerava e compreendia apenas a ele mesmo.
Parecia realmente não possuir qualidade boa e apreciável, porém, supondo que as tivesse, era como se, em se tratando dele, não as possuísse, porque provavelmente todas as suas boas qualidades deveriam trazer algum vício escondido, algum defeito que as anulava.
Ele era rei, era idólatra de si mesmo, soberano absoluto de suas misérias; em vez de se emendar, de se corrigir, ele se orgulhava de ser como era.
Por outro lado, sua mãe teve uma certa parcela de culpa por ele ter se tornado a pessoa que se tornou; não digo que tenha sido total sua contribuição porque grande parte do que uma pessoa é já nasce com ela, vem de sua natureza, mas foi considerável a influência de sua criação; não digo também que tenha sido de propósito, por acreditar que estava agindo da maneira certa, além do que, ninguém deseja criar um filho para que depois ele venha a se tornar seu algoz; se ela pecou foi mais por excesso de amor e zelo, o que é admissível em uma mãe, mas não deveria ser encarado como algo perdoável, tendo em vista o resultado final de tanto amor, de tanto mimo: um ser humano estragado.
Sua mãe, refém em suas mãos, pobre cativa, nulificada, tida por ele em pouca consideração, sua mãe sempre o protegia; com uma solicitude sempre obsequiosa, sempre servil, fazia de tudo para que ele não fosse contrariado; triste mas resignada com tal situação, por achar que era o seu dever de mãe, fazia-se dócil, submissa e até aduladora, relevava tudo para evitar discussões que sabia sairia perdendo, esquivando-se assim de possíveis brutalidades; mas se se queixava, além de ser em segredo, para logo esquecia a revolta, voltava a ser a mãe subjugada de sempre, aguentando em silêncio os mandos e desmandos desse filho que a diminuía e que impunha suas vontades para serem satisfeitas de forma imediata; o filho sabia que tinha poder sobre a mãe, usava e abusava, manipulava essa mãe para conseguir o que quisesse, sua lábia era persuasiva demais, e graças ao amor de mãe que em tudo acreditava, dificilmente seus pedidos eram recusados; o filho era ouvido e obedecido, o que ele dissesse sua mãe levava em alta consideração.
Esse filho foi fruto mesmo de uma criação essencialmente machista, de costumes ultrapassados, conveniente apenas para homens; essa mãe educou esse filho para ser servido, obedecido, bajulado, ela não o criou para ser um homem, não o criou para ser um bom marido.
Em seu íntimo, essa mãe sabia que havia criado um monstro, mas que já não tinha conserto, o monstro já era um homem feito e acabado, o que ela poderia fazer era ir aguentando a vida como pudesse. Essa mãe esperava que a vida ensinasse seu filho a tomar jeito; enquanto ela não via essa ingênua esperança se realizar, suportava tudo calada como se fosse a sua cruz, o seu destino, a sua obrigação.
Ela poderia até sofrer e se queixar, mas aquele filho era para sua mãe, sem que ela desse por isso talvez, uma espécie de ente particular e soberano ao qual ela deveria adorar, proteger e defender cegamente. Seja tortura, seja insânia, para ela o amor tudo justificava, era o amor de mãe tão somente; era um amor que tudo esquecia, tudo perdoava.
Comentários
Postar um comentário